Friday, August 5, 2011

Antídoto

Visto-me de negro, resguardo neste manto de penumbra toda a tristeza que abruptamente chegou sem avisar. Sinto-me ser obsoleto, corpo adormecido por esse veneno que me foi injectado por seringas do vazio. Ainda respiro, contenho o choro, não compreendo. Empurra-me, força-me a encarar o abismo, estou rodeado de espelhos, reflexos de um interior à nascença destinado à mágoa. Dói... Não compreendo. Sinto-me alvo de faquir não destinado ao entretenimento, preso, a roda gira, hipnotiza, enjoa, o meu ser é o alvo, não o corpo, não o coração.


Arrasto-me por ruas desertas do tudo, repletas de nada, intermináveis contornos de vida. Sou apedrejado por incompreendidas mãos sem nome, vejo reflexos, não sei se são gente, se são medos disfarçadamente escondidos. Caminho, sem norte, sem terra, sem rumo. Preciso de ar, madrasta noite sem lua, nada vejo, uivos de perda, passado esmagado, não sei se vou resistir.


Quero adormecer, quero acordar deste pesadelo, desespero pelo antídoto da incompreensão de mim...

Monday, August 1, 2011

Retorno




Saberá ainda esta mente deixar escorrer pensamentos envoltos em palavras humanas, cruas, arrancadas àquela que em tempos foi a minha essência?


Escolham o lugar, acomodem-se na sala da minha existência, convido-vos a sentar e a partilhar deste retorno...



Ressoam murmúrios nas masmorras onde me encontro, permiti-me mais uma vez descer a férrea escadaria da minha alma, chegar ao âmago do meu ser, do meu eu... Sopram vozes abafadas da culpa, sinto o lento e frio respirar desses espectros sem corpo, fantasmagóricos, invisíveis presenças que se tomam por remorsos, reis sem trono que juraram jamais abandonar este sepulcro, sinto-os vigilantes.
Olho em volta... sinto o negro abraço da revolta, iluminam-se as relíquias, quadros suspensos no vazio, imortalizados em pinturas sem cor, sem traço, sem conteúdo mas eu vejo, nitidamente, todos esses momentos de dor, de perda em que a incapacidade de alterar os desígnios foram setas banhadas em ferrugem lançadas sem erro ao coração, à mente, à alma onde me encontro. Percebo que alguns desses quadros são meras molduras sem forma, inacabados, expectantes pelo seu momento de exibir a arte da perda, aguardam... Abandono a sala da morte e deambulo, não controlo este caminhar, não me é possível, permiti-me a esta viagem.
O meu corpo move-se, a minha mente são estilhaços, ensanguentados, sinto o quente e espesso perfume que deles escorre. O meu corpo jaz agora nas lajes que anteriormente me suportavam, só a minha mente percorre o mistério desta nocturna viagem. Sinto-me no limiar da consciência, preso à dúbia realidade por frágeis fios de uma seda gasta, ecoam estridentes gritos, insistentes, persistentes acusadores de um não conseguir jamais sair das masmorras de mim... Gargalhadas de um prazer doentio julgam-se vitoriosas, festejam pelo supremo desfecho que por tanto têm ansiado. Mas não, doentias gárgulas do desterro, se não me venceram em tempos passados também ainda não será desta vez, enganam-se podres seres, parasitas do medo, ainda não será desta vez... Fecho os olhos, sangue, lágrimas, medo, desespero serão para sempre meus mas não é tempo de me entregar, ilusória tentação de eterna paz, ainda não. Tento mover este corpo petrificado, como seria tão mais fácil resistir a este esforço, deixar-me permanecer pétrea estátua, mas eu sei que consigo. Gritos de dor são arrancados quais suplícios infligidos por uma tortura a que me permiti retornar, a minha mão direita move-se lentamente, tão lentamente. Encharcado pelas lágrimas incessantes, pelo sangue quente, pela asquerosa sujidade deste lugar consigo repousar a minha mão no meu ombro esquerdo, consigo alcançar o talismã que permite o adormecer desta minha faceta, cortante espada deste mundo... Sinto o turvar da visão, a náusea antecedente ao vómito, tudo à minha volta num imparável rodopiar... Horas, minutos, segundos na veloz vertigem do acabar... Abro os olhos, venci o pesadelo, a viagem ao obscuro submundo da minha consciência, ainda não foi desta vez.



Agradeço o vosso silêncio, podeis abandonar a sala. Até breve.

Friday, January 29, 2010

Spade



És...
Limbo do sonho, precipício da realidade, casulo tecido por raros fios de dualidade repartida.
Sou...
Elemento completo pela complementaridade da permanência, da partilha, do afecto.
Somos...
Fusão dos sentidos, bolha forjada pela sinceridade da palavra proferida na noite, calor mental alimentado pelo frio do deambular... em parte nenhuma, em todos os nossos refúgios.
Sinto...
Conspiração da Terra, sacrificada concordância do corpo pela eternidade da alma.
Anseio...
Pela rotação do tempo, que nos aproxima, que fortalece a trama dos nossos sentidos, a inexplicável levitação do estar, o indiscritível esquecimento do mundo que nos devora.
Em ti...
Sou ser despido de materialismo, sou essência pura, sou unicamente o Eu que apenas Tu reconheceste, sem ver, sem perguntar...
Encontrei...
Um ancoradouro onde me permito descansar do medo, onde me sinto protegido do receio, onde me sinto completo.
A ti...
Simplesmente posso dizer... Amo-te.

Friday, January 22, 2010

Esquecidos ( Pré Spectrum )


Numa demanda perdida

Por vultos sem nome

Espectros perfurados rancorosamente

Por agulhas aguçadas pelo desprezo

São seres, são almas, são história

Apagados na presença

Presentes em perpétuo desterro

Formas já indistintas de um ser

Esquecidos de inevitável vivência

Pesados, obscuros, carregados

São rasgos de existência

Carne apodrecida e putrefacta

Indigentes malígonos

Alucinações não sonhadas

Mas sentidas...

Espectros quem somos...

Nervos emaranhados de percepção

Incompreendidos, carrascos da normalidade

Podridão alheada de voz

Espectros...

Revelações de uma brutalidade escondida

Tão completa, tão pura

Vagabundos sem destino conhecido

Criaturas que sabem acreditar...

Sunday, January 17, 2010

Surrealismo Sentido


Vasculho nos despojos da minha matéria retratos da composição austéra que me projecta ao mundo... Procuro, em desespero, encontrar entre restos de ideais, crenças inacreditadas de um surrealismo sentido, agora, tão intensamente...
Sou elemento desmembrado, figura mutilada pelo espaço, visionário inseguro de uma possibilidade de reencontro...
Sou personificação do receio, sou estupidamente um eco de nadas no ocaso, sou fugacidade férrea de confiança, sou tentativa...
Compreendo, lentamente, que fui presença dispersa nos dias do juizo antecedente.
Grito...
Por palavras arranhadas a sangue, desta garganta dorida de tanto querer expelir discursos que não se desintegram do papel esquecido em que são escritos...
Ouço um tilintar que me persegue... são elos ferrugentos da corrente que cruelmente me mantém prisioneiro cerebral...
Quebram-se... em câmara lenta...
Sinto-me mais leve... a cada dia, a cada hora...
Grito...
Inaudível apelo de um som de desespero, emerge das cinzas uma Súplica sentida, uma vontade desejada, uma fusão de corpos que já não sabem ser ímpares...
É neste cenário que imortalizei esta imagem, este retrato que aqui deixo de Um Surrealismo Sentido...

Tuesday, January 12, 2010

Letal


Hoje...
Peguei num punhal forjado nas trevas da consciência, fortaleci a convicção da vontade...
Fechei os olhos... lentamente, pesadamente...
Bebi pelo draculiano cálice da incapacidade mental... Pela minha face escorre a ganância de divagar nos sentidos, esquecer a inércia do pensar, imortalizar a súplica do poder acontecer...
Descomprimi o corpo... ferro e pedra fundidos em estátua de gente...
Adormeci a fome do receio, na mortalha da angústia depositei a saudade do tempo, de terra e gelo enterrei a graciosidade da lembraça... Nesse pálido adeus doei um beijo de alma, em sangue selei essa história, na lápide gravei intemporalmente um sorriso...
Sepultura do nada, para sempre anjo de pedra, este eu que sobrevive...
Respirei... senti o rasgar do corpo pela lâmina fria, sinto o impacto da vida, jorrando impulsivamente de mim...
Deito-me lentamente sobre o medo do adormecer, o indesejado augúrio do acordar. Jaz a meu lado o punhal que esventrou a essência, que reacendeu a fria chama da tranquiilidade...
Sinto o meu corpo a ser consumido, decomposto por metamorfoses errantes, atraídas pelo suor do renascer...
Ergo-me fortalecido... Revejo-me num espelho quebrado pela gravidade...
Reencontro-me...
Reconheço os sinais que me absorvem, estendo a mão a essa garra que me cravou o peito, iluminou o coração, arrancou uma lágrima de conssentimento, me entregou uma rosa negra de aliança...
Pactuo com esse espírito para um novo trilho de possibilidade, caminho sombriamente feliz, veneno letal que anseio saborear...


Sunday, January 10, 2010

Penumbra do Silêncio


Vagueando pelo sopro da noite sinto-me perseguido por um susurro que me amarra as sensações... Algo me persegue na penumbra do silêncio, um vulto por nevoeiro delineado apoderou-se da minha sombra e caminha, agora, a meu lado...
Não sei se quero ter medo e fugir, sinto-me desprotegido, sem defesas... Vagueio.
Sinto a sua presença, constante, intensa, intemporal...
Consigo sentir um olhar aparentemente vazio, translúcido, uma janela de alma esquecida pelo peso do acontecer... Um coração que tenta bater tão levemente para não ser ouvido, para existir sem ser compreendido...
Caminho lentamente porque sinto que não quero fugir, recuso o caminho mais fácil, algo me prende, me enlaça o pensamento, me quebra a defesa duramente tecida por frágeis fragmentos da existência.
Eis que se rasga um sorriso da escuridão, e aí encontro veracidades desse ser que me acompanha pela gélida noite do presente.
Tudo se transforma, vislumbro por outro olhar esse eco de vida... afinal não é sombra de ser, não é perseguidor perseguido, não é fantasma da palavra, não é demónio sem medo...
Descubro sem nada fazer que é um reflexo à muito aguardado, espelho de mim, percepção de uma essência que afinal sempre existiu, mesmo que quase esquecida não se diluiu pela atitude.
Páro...
Frente a frente, essa presença assume o contorno que tanto tenta proteger. Vejo traços, esboço de um todo ainda desconhecido mas que define um conteúdo que me contempla e do qual não consigo desprender-me...
Num diálogo sem sons apenas se escutam os uivos do tempo que não pára... e o pulsar dos sentimentos. Não são precisas palavras, gestos, sinais... Numa estranha sintonia nasce uma compreensão muda... forte...verdadeira.
Nesse sorriso encontro um abrigo.
Na noite permaneço imóvel, nao quero acordar se for sonho... Quero sentir...


Ps: Dark



Sunday, December 20, 2009

Confesso...


Confesso...
Pressinto o chegar, sossegadamente, de abraços de revolta, aconchego-me em confrontos do destino, escondo-me de demónios que me presseguem, que reclamam justas vinganças por crimes de ódio... Sou procurado por assassinos sem nome, sem rosto, sem presença. Sou espírito em fuga, humano errante perdido a um fado por mim apunhalado, destinado a lugar nenhum, condenado a vaguear incessantemente...

Confesso...
Sou fugitivo de mim... sou acusado da mágoa, acusador da angústia, réu de um prenúncio anunciado, doce vazio, imparável inércia, suave inutilidade, dolorosa solidão de pensamento... Choro...

Confesso...
Crueldade fraseada por uma ausência de substância, presença física, ausência de intenção...
Perdi a essência, recusei a pureza da sinceridade, embrenhei-me por caminhos que não levam a lugar algum... perdi-me, esqueci-me, apaguei propositadamente a chama que iluminava o meu caminho...
Confesso...
Sou merecedor desta recompensa, serei ser das sombras, não mais essência, apenas sombra de mim, desconhecido espectro de lado nenhum...

Confesso...
Magoa

Confesso...
Destrói

Confesso...
Mereço

Confesso...
Para sempre vaguearei nesse labirinto talhado em arrependimento, enriquecido pela fraqueza da estupidez...

Confesso...
Não mais serei vulto, máscara, violino, fragmento, escadaria, tormento, momento... nunca mais serei ser... apenas reflexo do que um dia fui...



Sunday, December 13, 2009

Violinos...


Choram violinos envelhecidos pela amargura do tempo... rasgam-se notas arrancadas a essas cordas confessoras de pensamentos... tristes esculturas em madeira sem história, peças por mãos talhadas sem sonho... choram violinos que esqueceram outra forma de se fazerem escutar... choram baixinho... ecoam pelo vazio da noite qual canto soprado a um frio sem alma...
Gritam violinos esquecidos de atitude, imploram por olhos que os ouçam, por mãos que os aconcheguem, os aqueçam... os façam acordar desse sono interminável de silêncio...
Cantam esses violinos tentando hipnotizar o imortal tempo, o implacável senhor das horas, dono da vontade, causador do vazio, do arrependimento, da tristeza, da saudade, da solidão...
Escuto... esse choro angelical de violinos de cordas partidas, intencionalmente afastadas da sua metade, separadas do todo que outrora se fizera soar intemporalmente...
Choram violinos quebrados por intenção, abandonados a um canto da memória, amontoados como imprestáveis, largados como inúteis, desprezados como incapazes...
Procuram, corajosos violinos, forma de se fazerem acreditar, mesmo mutilados sopram notas da sua essência, choram e continuarão esse choro eternamente, baixinho, susurrando lamentos, vozes enrouquecidas mas ainda iluminadas pelo brilho de uma esperança distante...
Choram violinos... aprisionados num canto esquecido de mim...

Thursday, August 27, 2009

Pedaços...


Num pedaço de papel queimado, esquecido num canto da existência, tento desenhar frases de um vazio incompreendido, forma de estar pensadamente esquecida, ilusão perfeita da descrença, da plenitude da perda, do vazio da ausência, da esmagadora consciência da mudança...
Num pedaço de seda rasgada, derrota de um preciosismo outrora delcarado, envolvo contradições pesadamente esmagadas, realidades arranhadas por intenção. Nesse manto sigiloso guardo magoadas formas de sorrir, feridas que se recusam a sangrar...
Num pedaço de ferro enferrujado cravo insanidades despropositadas, acorrento tormentos dúbios, ambiguidades da definição, contradições expelidas por convulsões de temperamento...
Num pedaço de tempo revoltado, misturo ódios mesquinhos a instantes quase arruinados pela gravidade, pela magnitude da palavra, da atitude, do gesto...
Num pedaço de espelho partido encaro fragmentos de uma esperança enterrada sob a promessa fatídica do acreditar...
Num pedaço de terra ressequida, num pedaço de mar opulento, num pedaço de vontade abandonada reencontro pedaços de mim, reflexos desfigurados pela metamorfose.